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Thais de Campos: Vivendo em Lisboa há 23 anos a atriz, diretora e professora, nos conta um pouco da sua jornada dividida entre Portugal e Brasil.

Nossa primeira entrevista não poderia ser outra se não com Thaís de Campos.

Vivendo em Lisboa há 23 anos a atriz, diretora e professora, nos conta um pouco da sua jornada dividida entre Portugal e Brasil.

Conhecida por grandes trabalhos na Rede Globo como a doce Arlete da novela ‘Mulheres de Areia’, Thaís vem desenvolvendo um primoroso trabalho também atrás das câmeras. Criadora do método os Segredos da Câmera, curso que ministra em Portugal e Brasil com muito sucesso, também faz parte do corpo docente da Escola de Atores Wolf Maya, em São Paulo e Rio de Janeiro. 

Casada com o português Paulo Bandeira, mãe de Clara e Carol, avó de Ayra, ela está longe de ser a frágil mocinha de novelas. Ao contrário, preste a completar 60 anos ela é uma mulher forte e atuante no cenário cultural, sempre em movimento e atenta a tudo.  

Confira aqui a conversa que tivemos em São Paulo e que por conta de sua agenda corrida terminamos em Lisboa.   

O que te fez vir morar em Portugal? 

Por várias vezes eu fui e voltei de Portugal. A primeira foi no ano de 2000. Fui para fazer um workshop e depois viajar e descansar. Os quinze dias que fiquei em Portugal, passei trabalhando, sem parar, tinha três turmas, de manhã, tarde e de noite.  Percebi aí uma enorme necessidade dos atores portugueses de terem o conhecimento técnico, que os brasileiros desenvolveram de tanto fazer novela. Conhecimento esse que desenvolvemos pela prática mesmo. Eu vi que tinha uma lacuna no mercado e que meu serviço seria não só gratificante, como estava dando resultado que também poderia trazer algo necessário naquele momento. Depois disso fiquei sete anos indo e vindo. Vivia na ponte aérea Brasil- Portugal. Depois veio a crise que onze de setembro e ficou difícil de ter qualquer coisa relacionada a cultura. Nesses 23 anos eu fiquei indo e vindo. Por último agora já faz sete anos que estou morando aqui novamente. 

Por que Lisboa? 

Porque o curso era em Lisboa, e como eu disse: tinha interesse em trabalhar e viajar, conhecer um pouco mais Portugal. Foi uma loucura, conheci muita gente e fiz muitos contatos em Lisboa e tiveram pessoas que quiseram se associar a mim e fazer uma escola. Na realidade me pediram para fazer uma escola, eu tive ainda a graça de ter pessoas que chegaram e falaram; vamos fazer essa escola juntos. Tive sócios que acreditaram no meu trabalho e acharam que seria um bom investimento abrir uma escola de atuação em Lisboa. Tudo aconteceu em Lisboa, nem cheguei a ir ao Porto. Eu acho Lisboa parecida com Rio de Janeiro, onde eu mais tempo morei. No início eu até cheguei a morar em Cascais, que era mais próximo ainda do Rio de Janeiro. Inconscientemente a gente busca o que nos acalenta, e o que nos acalenta muitas vezes é o que nós temos na memória, é aquilo nos traz segurança, tranquilidade, algo conhecido. Então Lisboa a princípio me remeteu ao que eu estava acostumada. E São Paulo, que eu também amo de paixão é mais parecido com Porto. E eu vim descobrir o Porto mais tarde, mas já tinha conhecido o marido e aí não sai mais de Lisboa. 

Você é casada com um português. Como é lidar com a diferença dos costumes no dia a dia?

As diferenças são enormes. Porque a gente acha que por que a língua é parecia, somos iguais, mas não, somos muito diferentes. Mas como as diferenças também são fascinantes, ao mesmo tempo estimulam e dão na realidade um crescimento, não só para mim, como para meu marido e minha filha. Que inclusive agora ela está muito mais portuguesinha do que brasileira. Mas é uma coisa que eu gosto. Gosto muito de gente, então conhecer outras culturas e me adaptar a elas sempre foi para mim muito gratificante. 

Você tem duas filhas, me falem um pouco sobre elas.

A mais nova mora comigo e não gosta muito de aparecer. A Carolzinha é mais quietinha, não quer saber da arte, entrou agora na faculdade de direito e está começando a trilhar seu caminho. Mais velha é DJ se chama Clara Maya e me deu agora uma neta. A clarinha é do mundo, super criativa e talentosa, tudo que faz, faz bem feiro. Ela fez faculdade de cinema, mas infelizmente não concluiu. Já me dirigiu em um curta-metragem e eu fiquei impressionada com a delicadeza com ela tratava todo mundo. Ela comandou uma equipe no moro, a noite em uma festa, que foi noite adentro, com milhares de pessoas. Ela tem uma liderança afetiva, e eu acho que é a melhor forma de liderar. Tenho muito orgulho da Clarinha, ela tem um futuro brilhante para trilhar como ela quiser. 

O quanto ser conhecida pelas novelas brasileiras te ajudou ou atrapalhou em Portugal? 

Sempre ajudou. Em 2000 quando eu vim era muito forte o poder que a novela brasileira tinha aqui. Hoje as novelas portuguesas já estão com um número de audiência muito grande. Se tratando de teledramaturgia, de arte, eu acho natural que as pessoas queiram ouvir algo que seja relacionado a elas, a vida delas, falando sobre os problemas delas com as palavras que elas estão acostumadas, com a forma do dia a dia. Então é normal que a novela portuguesa venha cada vez mais ocupando seu espaço. Em 2000 era muito da novela brasileira, e me ajudou muito, eu sentia que havia um carinho das pessoas, através dos personagens, que eram personagens bons, eu fiz uma vilã só. E eu também vim para Portugal não querendo ocupar um espaço, como muitos brasileiros vêm. Ele tem um receio com os estrangeiros, não só com brasileiros. Qualquer lugar do mundo quando chega um estrangeiro eles acham que vão tomar o espaço do local. Eu vim com outra proposta, eu trouxe um conhecimento, um know how de como fazer novelas, eu trouxe uma escola que ensinou os atores a fazer melhor a sua teledramaturgia.

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Qual a diferença do público, e dos alunos, portugueses em relação aos brasileiros?

Como professora o que eu sentia mais a diferença na forma deles entenderem a minha metodologia. Quando se fala para câmera a gente tem que trabalhar com várias técnicas e técnicas uma delas é a colocação de voz, a mudança de ritmos. Uma coisa que gosto de dizer é que tem que ter musicalidade, então eu tenho preciso ter vários ritmos e tons no meu discurso, não posso ter uma mesma cadência, um som só. E aí os portugueses falavam assim: “para vocês é fácil falar de musicalidade, brasileiros falam como se estivem cantando”. E aí eu dizia: está bem, para nós pode ser mais fácil entender essa técnica, mas se existe uma técnica, independente da cadencia que seu ouvido já esteja acostumado, você tem que se adaptar aquela técnica para poder fazer aquele veículo. Depois que eles entendiam que não era uma coisa pessoal, mas sim uma técnica, aí o resultado era fantástico. Foi mais essas diferenças mesmo. Mas também já passei por algumas coisas engraçadas por conta do vocabulário, porque a gente acha que a palavra tem o mesmo sentido e às vezes não têm. Já passei até por coisas bem embaraçosas usando vocabulário errado.

Você vem de uma das maiores “escolas” de televisão aberta do mundo, a Rede Globo. Como você vê os tempos atuais, onde todos podem ter sua própria “emissora”? 

Eu acho que isso é maravilhoso! Cada vez mais estamos tendo o poder de nos projetarmos e fazermos arte com mais facilidade, menos investimento. Investimento tem que ter, mas não é como antigamente que os atores tinham que ter uma companhia de teatro, investir na sua peça de teatro para ser visto e chamados para fazer uma novela. Depois teve a época dos agentes e hoje são dos influencies, que é uma coisa que temos que tomar muito cuidado porque não pode ser oito nem oitenta. Existe sim um mercado de consumo banal na internet, mas existe também o mercado de conteúdo de qualidade. Eu diria que a internet é uma faculdade aberta para todos, mas tem de escolher com qual professor você vai estudar; da mesma forma com relação ao que você aprende e o que você mostra. Nós que temos a oportunidade de nos projetar, temos de ter uma estratégia, saber como utilizar isso, o que vai falar, para quem você vai falar e utilizar isso da melhor maneira possível. Muita gente usa isso de maneira errada. Acho que temos uma possibilidade maravilhosa de comunicação, de fazer arte com qualidade e que não está sendo bem aproveitada. 

Hoje se fala muito em etarismo, principalmente para mulher em relação as mulheres. Como você lida com essas questões?

Graças a Deus através da globalização os assuntos estão vindo à tona de uma forma mais questionável. Acho conseguimos questionar mais alguns posicionamentos errados. Mas temos que tomar cuidado com isso, porque sim, a comunicação nos permite ver o certo e o errado, várias coisas chegam até nós, com isso conseguimos amparar pessoas que não estão sendo tratadas de forma correta, não só no etarismo, como na violência contra a mulher e várias outras causas que me afetam muito e que eu abracei.   

Em relação ao etarismo, acho que cada vez mais precisamos nos mostrar. Eu por exemplo, tenho 59 anos, vou fazer 60 esse ano e me sinto super ativa, tenho milhões de projetos. A Rose sabe, que a Rose vê como eu faço meu dia.   Meu dia parece ter quarenta horas de tanta coisa que eu faço e continuarei fazendo, me sinto viva saudável e com possibilidade de fazer mais e mais. Sim, temos de ir contra essa questão, mas também temos que fazer por onde.  Eu sou muito a favor de denunciar, amparar, darmos apoio a quem precisa, mas também acho que vitimar a ponto estacionar não é legal. Se alguma coisa te incomoda, acha que não estão te dando trabalho porque elas têm uma certa idade, então vamos dar a volta no sistema, vamos fazer de alguma forma que consiga mostrar que tem possibilidade fazer isso. Vamos nos juntar, acho que a união é muito importante, quanto mais pessoas estarem juntas, mais vamos conseguir quebrar barreiras e valores errados.

Você disse que está com vontade de atuar como atriz novamente, já tem algum projeto?

Até agora não consegui focar nesse projeto. Estou apenas falando para universo e para todo mundo ouvir que estou querendo voltar a atuar. Ainda não conseguir uma brecha nos muitos projetos que tenho, de começar um movimento meu. Como eu disse não sou mulher de ficar esperando a proposta bater na minha porta. Muitos alunos me falam: Não me chamam, nenhuma agência me chama. Não vai chamar, não fiquem parados. Estou avisando a todos que quero voltar a atuar, mas não vou ficar parada. Daqui a pouco entro com um projeto meu, com certeza. 

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Produção: Angela Lima @angelalima92

Larissa Carmo @larissacarmo3

Márcio Nai @marciolimavisah

Braz Miranda @sr_braz 

Fotos: Denis Tavares @estudiotavaresfotografia